quinta-feira, 10 de julho de 2014
#somostodostamoios
O que eu sei do Luciano Huck é que ele começou a fazer sucesso na TV usando um artifício apelativo e repetitivo: usar mulheres com roupas minúsculas para atrair audiência. Foi assim com a Tiazinha e a Feiticeira no início dos anos 2000.
Agora, resolveu investir no estilo 'coxinha fashion' ao lançar a camisa#somostodosmacacos. Huck, nem tudo é capitalizável, cara! Menos! Mal o Daniel Alves comeu a fruta (um gesto inusitado e aplaudido) e você já quer faturar em cima da banana? (ops!)
Huck poderia lançar a camisa #somostodostamoios, por exemplo. Pra quem não entendeu a hashtag, trata-se de uma Área de Proteção Ambiental na Baía de Ilha Grande, em Angra dos Reis, cujo decreto estadual foi alterado para que ele (e outros bananas) pudessem fazer seu caldeirão na Ilha das Palmeiras, local onde possuía uma luxuosa (e irregular) residência até janeiro do ano passado.
Querer estampar em camisetas que 'somos todos macacos' é mentiroso e hipócrita. Não somos todos iguais porque o racismo que paira no Brasil é o pior que existe: é velado (ninguém se diz racista, mas muitos são), é em degradê (neguinho, mulatinho, café com leite, negão, etc) e é covarde. O preto pobre da favela (Claudias e Amarildos) recebe tratamento muito pior que o negro (olha aí a mudança!) que integra a elite.
Para Huck, #somostodosmacacosdecirco.
Fabiane, a azarada
Nos anos 70, Sivuca fez parte da Scuderie Le Cocq, grupo de policiais civis que tocou o terror no Rio e executou muitos. Ele era um dos "Doze Homens de Ouro": matavam primeiro e nem se davam ao trabalho de peguntar depois.
Uma vez questionei o deputado: "se todo bandido bom é bandido morto, o que fazer se a pessoa foi presa injustamente e acabou morta?".
Ele, com toda sua naturalidade, respondeu: "esse no caso foi um azarado. Fazer o quê?"
A fala de Sivuca expressa o que alguns ultra-reacionários pensam a respeito do justiçamento, do agir com as próprias mãos e encarar como se fosse algo aceitável, compreensível.
O caso de Fabiane, no Guarujá, mostra até que ponto chegam o justiçamento e suas distorções: as redes sociais espalham um boato, a vizinhança encara como verdade absoluta e uma vida é perdida.
Tem quem ainda justifique que atrocidade foi a confusão dos vizinhos em achar que Fabiane seria criminosa. Quer dizer que se ela realmente tivesse cometido o crime, aí seria permitida a violência!? Em suma: matar não é algo atroz, confundir é?
Curioso que Sivuca foi parlamentar pelo PSC, que hoje integra o Marco Feliciano nos seus quadros. O partido só mudou o tipo de radicalismo. Saiu do sanguinário para o extremismo religioso.
E mais absurdo é constatar que Fabiane, para alguns, morreu por azar.
Dignidade sem ser digno
O problema do futebol brasileiro é endêmico, estrutural e conjuntural. Volte no tempo: o Santos tomou uma surra do Barcelona no ano passado, o Galo deu vexame perdendo para o inexpressivo Raja Casablanca. Ganhamos uma Copa das Confederações, um torneio insosso que supervalorizamos contra uma Espanha também decadente.
Temos um futebol de quinta categoria, cuja média de público é inferior à liga dos Estados Unidos! Os campeonatos regionais são uma piada. Audax? Barra Mansa? O que é isso? Nossos jogadores são PhD em cair na área para cavar penalti. O tempo de bola rolando nas partidas não chega a 50 minutos, o que contrasta com o alto índice de faltas. Árbitros são mal preparados, não há renovação de quadros no campo ou fora dele. Décadas atrás, podíamos montar três seleções facilmente. Hoje, nem cogitamos questionar os 23 escolhidos de Felipão porque, convenhamos, não tínhamos outros mesmo.
Nossos técnicos estão ultrapassados. Não há variação tática, padrão de jogo, inteligência, nada. Felipão e Cia. nasceram com seu esquema e discurso quixotesco-pachequista ("A Copa é nossa", "Temos que vencer") e vão morrer com ele.
E o que falar dos nossos dirigentes e comandantes? O presidente da CBF rouba medalha e defende a tortura, o treinador tece elogios ao Pinochet e o Parreira, intelectual de orelha de livro, barrou o Barbosa (o bode expiatório do Mundial de 50) de visitar a concentração em 94, alegando que ele não traria sorte. Morreu triste. Pelo menos, foi vingado ontem. Isso sem falar nos Dinamites, Euricos, Amorins, Deleis, Perrelas e tantos outros que usam o futebol como trampolim para política. E com relações promíscuas com torcidas organizadas.
Por falar em torcida, que tal a nossa que não sabe o que dizer? Não sabe porque deixou de enxergar na Seleção um patrimônio nacional. Não sabe porque esvaziou os estádios. Não sabe porque quem vai aos jogos hoje só pensa em brigar, em trucidar. Ou você já se esqueceu do desfecho sangrento do Brasileirão do ano passado entre Vasco e Atlético-PR? Não sabe também porque se preocupa demais em aparecer no telão, fazer selfies e pedir "filma nós" pro Galvão Bueno.
A imprensa tem sua parcela de culpa? Claro. Nossa cobertura esportiva hoje se resume ao esquema treino-jogo temperado pela "thiagoleifertização" do jornalismo: toda matéria tem que ser engraçadinha, bonitinha, esteticamente bem feita. Acabou a análise crítica da estrutura do futebol. Alguns poucos na mídia impressa e na ESPN salvam. O resto? Só espetáculo e oba oba.
Não adianta mais culpar os jogadores. Eles tiveram a dignidade de entrar em campo para sofrer por todos nós. O futebol brasileiro é que deixou de ser digno de alguma coisa.
quinta-feira, 17 de abril de 2014
Um pouco de Brasil na porta de casa
A longa história que narro aconteceu perto da minha casa, na Rua das Laranjeiras, em frente ao número 55. E mostra o nível de falência do Estado e de descrença da sociedade.
14h35 - Um menor (aparentemente com 12 ou 13 anos) está sentado ao lado de um poste cercado por três homens, duas senhoras e uma multidão em polvorosa. Os gritos variam do "Lincha!", "Dá paulada!", "Dá porrada!" ao "Quero vem alguém adotar essa peste!" (curioso que como uma frase infeliz dita nos meios de massa pode pulverizar e expressar o sentimento de uma parcela significativa da população. E como a Comunicação - em tese Social - virou aforismo de ultra-direita).
14h37 - Uma das senhoras alerta que não irá deixar ninguém bater no menor. Sagaz, afirma que quem agredi-lo pode responder por violência contra menor. Ou seja, a alternativa que usou para evitar o justiçamento e tentar convencer os "justiceiros" não se baseou no direito amplo que o menor possui, mas pelo fato de o agressor ser enquadrado criminalmente. Sob vaias e protestos, a população segue xingando, mas não o agride fisicamente nem o amarra ao poste.
14h40 - A história do roubo começa a se desenhar. Uma senhora caminhava em frente às Lojas Americanas (entupida de gente por causa da Páscoa) quando o menor tentou arrancar-lhe o cordão. Ao tentar fugir, um rapaz que estava próximo deu uma banda no assaltante que acabou rolando e se ralando no chão. Outros três menores conseguiram escapar.
14h42 - As pessoas começam a ligar para a polícia. Sem sucesso, afirmam. Inicia-se, então, uma série de alternativas que são logos descartadas.
1. Chama a Guarda Municipal (não adianta, eles não podem fazer nada)
2. Liga para o Conselho Tutelar (não tem ninguém porque é feriado de Semana Santa)
3. Chama o "DPOC" (em 14 anos no jornalismo, nunca ouvi falar disso). Pra mim, é sigla de doença pulmonar obstrutiva crônica. Talvez fosse DPCA.
4. Liga pra 190 (dizem que não tem previsão de quando vão mandar alguém)
5. "Gente, tem um carro do Bope passando!" (a população grita de euforia, mas a Hilux passa direto).
O jeito é esperar alguma viatura passar e, quem sabe, parar no local para levar menor e vítima à delegacia.
14h45 - 15h05 - Nestes 20 minutos, começa uma agonia que parece eterna. O menor segue sentado, sem ferimentos e sem também esboçar reações de medo ou preocupação. Coça a unha suja do pé, ajeita o short rubro-negro, olha pra vítima, olha para as pessoas, diz que não fez nada, que não tem nada com ele (De fato, ele não havia conseguido roubar o cordão e a senhora ainda havia recuperado o pingente de Nossa Senhora que havia caído. "Ela me abençoa", diz a senhora de forma serena).
Surgem então os mais variados discursos. Daquele assalto, as pessoas falam da Copa do Mundo, do Cabral, do Paes, do Pezão, da Rede Globo ("isso a Globo não mostra"), dos Black Blocs, do Garotinho, da igreja, das Olimpíadas, do goleiro Felipe, da corrupção, do mensalão, dos vândalos.
Algumas senhorinhas parecem ter pena do menor e tentam conversar com ele. Em vão. Ele não responde e apenas alega não ter feito nada. Sempre de cabeça baixa. Sempre colado no poste.
Uma outra senhora mais exaltada diz que vai votar no Obama e que não é brasileira (embora tenha um carioquêxxx da gema), mas argumenta(?) que o menor roubou porque se inspirou nos mensaleiros do PT. Detalhe: ela usava uma camisa do Brasil e alertava que a Seleção não ia ganhar a Copa porque havia feito uma simpatia e ganharia um bom dinheiro caso a mandinga se confirmasse.
15h07 - Finalmente uma viatura da PM chega. Dois policiais - um oficial e um cabo - descem do carro e nem se aproximam do menor. Conversam rapidamente com a vítima e o rapaz que havia rasteirado o assaltante. Um deles fala ao telefone (um Samsung Galaxy 4) e pede que outra viatura chegue ao local. A vítima, já cansada, diz que quer ir embora pois sua neta está esperando. A essa hora, o trânsito na Rua das Laranjeiras já está engarrafado e os motoristas passam gritando. "Filha da puuuuu", "tem que mataaaa", etc. A senhora eleitora do Obama teima em defender o presidente americano como o melhor para o Brasil. E promete fazer mais mandingas de quem discorda dela.
15h20 - Agora, a cena mais inusitada: os três menores que estavam com o assaltante voltam para se solidarizar com o colega rendido. Um deles tem marcado (provavelmente com gilete ou estilete) um CV no peito esquerdo. Eles afirmam: "tudo vai ficar bem", "você já vai sair dessa", "minha tia vai te visitar". A população reage exigindo que eles saiam. Dois deles atravessam a rua e um fala baixo: "um dia vocês também vão ter o cordão roubado". O terceiro tenta deixar uma camisa para o colega detido, mas a PM chega e o imobiliza. Depois o solta e manda ele ir embora.
15h30 - Finalmente a outra viatura chega. Vítima (extenuada), o rapaz que aplicara a banda no menor (com gelo no antebraço) e o assaltante (indiferente) entram no carro.
A população de dispersa.
Nessa história toda, alguns fatos me chamaram muito a atenção. O mais grave é que nosso Estado só não decreta falência de suas instituições porque não haveria quem as recuperasse. A sociedade não está preparada para qualquer mudança porque está entorpecida com tanto descaso. Um dos PMs falava o tempo todo: a burocracia impede que algo seja feito contra o menor. Boa parte da população que estava no local vociferava dizendo que levar o garoto preso não adiantaria nada e clamava pelo justiçamento, pelo linchamento. As éticas humana, kantiana, cristã escorreram pelo ralo da barbárie faz tempo.
Nossa sociedade está envernizada pelo saco cheio superlativizado, pelo sentimento de que "não adianta fazer mais nada" e por uma compreensão da impunidade. Sim, não há mais sensação de impunidade, ela já corroeu nosso senso de cidadania e coletividade de tal forma que os valores não estão mais invertidos, eles ficaram definidos do lado errado e ponto.
Tá faltando fôlego, disposição para bons debates e propostas, soluções.
Tá sobrando arroto de ódio e descrença.
sábado, 8 de fevereiro de 2014
O rojão silencioso do (e no) midiativismo
Discordo de quem afirma que a liberdade de imprensa foi a principal vítima no ataque ao Santiago. Estamos acompanhando a cobertura da imprensa (muito boa, por sinal) e observando que os fatos têm sido apurados e noticiados numa velocidade satisfatória.
Creio que quem se saiu mal mesmo neste episódio, e precisará rever urgentemente seu papel, discurso e, ...principalmente, ação política, é o midiativismo. A Mídia Ninja e suas derivações lançaram um rojão em si próprias quando preferiram o silêncio, ou a falta de um posicionamento mais definido, depois do incidente na Central do Brasil.
Inovadores ao cumprirem a função de mídia das multidões, alertando sobre os excessos do Estado nas manifestações, rapidamente caíram no descrédito quando usaram o "argumento da compreensão" das ações dos Black Blocs. A tal compreensão rimou com absolvição, num momento em que a sociedade criticou as ações violentas, saques, etc.
Um médico, quando pesquisa uma doença, faz o possível para erradicá-la. Não foi assim que os midiativistas se comportaram. Preferiram apenas observar a evolução do vandalismo, o recrudescimento da violência, etc.
O segundo motivo de descrédito teve seu estopim no ataque ao Santiago. Antes o midiativismo criticava a imprensa (golpista, manipuladora, concentrada, monopolista). Tinha certa razão em tecer as críticas. Mas agora pecaram (e feio) quando simplesmente deixaram o debate. Estão agindo da mesma forma que o Estado quando uma crise cai no seu colo. Preferem dizer que nada viram, nada sabem. Preferem a omissão.
Ao se calarem sobre o rojão que atingiu o Santiago, a impressão que fica é que, para os midiativistas, a vida dele vale menos que a de um Black Bloc. Aqueles que mais se orgulhavam em dizer que eram os vigilantes das manifestações, com seus Iphones concetados e suas transmissões streamadas, são agora os mais omissos.