quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Horror, governo e mídia



O horror inicial marcado pela dimensão da tragédia e pela cobertura midiática do massacre de Santa Maria (RS) vai sendo amargamente digerido. Passados alguns dias, começamos a ficar anestesiados com as imagens que se repetem e se repetem: enterros, choro, depoimentos emocionantes de embrulhar o estômago, especialistas em tudo falando de tudo, espetacularização dos fatos e o malabarismo retórico das autoridades.  

Diante de um massacre tão chocante como o da boate Kiss, era de se imaginar que o Poder Público tivesse um comportamento diferente de outras tragédias. 


Só que nada disso aconteceu.


Mais uma vez, os governantes se esquivam da responsabilidade com a habilidade que não tiveram na hora de fazer a lei ser cumprida. Se houve destreza, foi nas nocivas atitudes de priorizar a negligência, o "deixa quieto", o "finge que não vi", o "tem jeito de resolver".


Prova disso é que o alvará de funcionamento da casa estava vencido, a estrutura do local condenada e os shows eram pontuados com atrações pirotécnicas, num ambiente fechado e cercado de material de fácil combustão.

Burocracia e corrupção podem causar mais tragédias do que acidentes naturais. 


Nossas autoridades gastam rios de dinheiro para construir estádios, contratar artistas de renome para se apresentarem em uma inauguração de hospital, mas fogem de iniciativas muito mais simples, como aumentar a fiscalização e tratá-la com rigor em pequenas casas como a Kiss.


E a imprensa? Esta poderia se reinventar e adotar um comportamento diferente na cobertura de mais uma tragédia.


Salvo algumas boas exceções (rádios de notícias, emissoras públicas e de canal fechado), o que se viu foi um lamentável festival de horrores.


No caso de Santa Maria, então, houve uma triste novidade: o marketing institucional se aproveitando da tragédia.


Uma sociedade atônita, inconformada com o massacre, definitivamente não quer avaliações passionais de jornalistas, nem detalhes de como âncoras de telejornais pegaram jatinhos para a cidade gaúcha. 


O jornalismo mais humano, menos sisudo, cerimonialista e próximo da linguagem cotidiana é louvável e deve ser perseguido com insistência, mas não rima com melodrama. 


Horror dispensa trilha sonora. Ao jornalista, não cabe ser o protagonista da ação. A prioridade é a mensagem, não quem a transmite. Queremos seu olhar diante do fato, não que ele se torne o fato.

Nos próximos dias, o que era manchete dará lugar a uma tímida chamada de primeira página. O telejornal já não vai se dedicar com o mesmo vigor sobre aquele que era "o" assunto. E o que era presença constante no nosso dia a dia vai dissipando no nosso imaginário. 

O âncora não vai voltar a Santa Maria.

Aqueles que sobreviveram ao massacre poderão ter sequelas para o resto de suas vidas. A fumaça inalada, os problemas psíquicos, as marcas deixadas pelas queimaduras.

Os que perderam seus filhos na boate Kiss... estes já estão mortos por dentro. 


Mesmo sofrendo com o segundo pior incêndio da nossa história, todo o inconformismo dará lugar, aos poucos, ao esquecimento.