A morte de um ídolo, de uma figura pública, ou mesmo de um anônimo, eriça a indústria da comunicação e a obriga a ir além dos fatos que cercam a causa mortis do indivíduo. É preciso sempre mais para o sistema midiático. Faz-se necessário testar e chocar a audiência a cada instante, a cada frame. E as doses que nutrem a busca pelo grotesco possuem essências bizarras que minam o bom senso.
A morte do vocalista Chorão, da banda Charlie Brown Jr, é mais um episódio no qual os limites do que divulgar poderiam ser aplicados ou, ao menos, serem discutidos. No entanto, mais uma vez, foram deixados de lado.
Em portais de notícias e nas redes sociais, fotos do corpo do cantor estendido no chão e imagens do interior do apartamento do músico foram publicadas, republicadas, tratadas e disseminadas. Alguns acontecimentos que rondam a notícia ganharam uma importância circunstancial que são explorados de forma desproporcional, numa tentativa de naturaliza-los.
Não é a primeira vez em que o estupro à intimidade foi cometido.
Na tragédia de Santa Maria, não faltaram posts e sequências de fotos dos corpos carbonizados e amontoados na boate Kiss. As imagens que pontuaram a internet chegaram a ser divulgadas em canais de tevê.
Nas redes, a divulgação acaba sendo inevitável porque não há um sistema simples de comunicação baseado em emissores e receptores. Todos produzem conteúdo. Os filtros do que pode - ou não - ser emitido são suaves e pouco se manifestam. E mais: quando tais filtros surgem, sempre há alternativas que possibilitam a emissão das mensagens. Pedofilia e pornografia são temas proibidos no Youtube, por exemplo. Nem por isso deixam de preencher o universo digital.
Já uma emissora trabalha com critérios editoriais e senso crítico. Procura considerar a ética algo prioritário. Pena que, em alguns casos, o que deveria ser regra não passa de utopia.
Quer outro episódio? Na cobertura da morte do cinegrafista Gelson Domingos, da TV Bandeirantes, no fim de 2011, algumas emissoras chegaram a destacar os momentos finais de agonia do repórter cinematográfico. Não bastou a imagem dele sendo atingido. Um corte na edição no exato momento em que a bala o perfura já deixaria claro seu sofrimento. Porém, foi preciso(?) mostrar o detalhe do corpo estrebuchando até não resistir mais.
Dispensável? Totalmente. Os fatos passaram a ser menos importantes do que o impacto provocado por eles.
Não há argumento jornalístico que justifique a superexposição dos casos de Gelson, Santa Maria e, agora, de Chorão.
Vivemos numa era na qual a informação se propaga em velocidade instantânea, os caminhos por onde a mensagem corre são incontáveis, desconhecidos e incontroláveis. O conteúdo da mensagem pode ser totalmente alterado, individualizado, customizado. E ainda: onde a exposição ganhou ares superdimensionados.
Apareço, logo existo.
Neste cenário, é comum o jornalismo respirar ares muito mais romanescos e macabros do que propriamente informativos.
A cultura midiática atravessa as fronteiras do real e, por diversas vezes, fica debruçada sobre o espetáculo, se alimentando e ruminando o instante do choque, da ruptura. Por alguns instantes, tais episódios vão irromper na vida cotidiana e burocrática dos públicos e oferecer uma ligeira sensação de novidade.
Alguns classificam como sensacionalismo, outros consideram que qualquer limite cheira à censura e a divulgação é válida. Fato é que todos absorvem a mensagem. E quanto mais inspiram, mais anestesiados ficam, até considerarem a perda de uma vida um fato comum.
As redes sociais são mediadoras de diferentes representações, correntes de pensamento e visões do mundo. É uma ferramenta que garante a todos a liberdade para que postem praticamente tudo o que quiserem. Mas no momento em que detalhes da morte de alguém ganham tamanha repercussão e necessidade de divulgação, fica claro que o respeito ao luto, ao sofrimento alheio, já não existe mais.
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