Reportar é testemunhar encontros.
Agendados, triviais, solenes, inesperados.
Surpreendentes.
Reportar é observar os paradoxos, apontar o contraditório. É presenciar realidades tão diferentes se imbricarem.
A plateia que assiste à audiência esboça diferentes reações.
Na primeira fila, todos anotam, teclam, cochicham, gravam as cenas de um julgamento que parece não ter fim.
Contam as horas para seguir suas vidas enquanto o destino de uma está sendo selado.
Tal como um big brother ou um panóptico, a vigilância sobre a figura - o réu - é constante. Um close, um clique em cada expressão diferente.
Não vale a inércia. Vale flagrar o sorriso.
Sorriso? Como pode o homem sorrir? De quê graceja aquele que transformou em desgraça o direito mais elementar de tantos outros?
As razões do regozijo estão na segunda fila.
Arisco, falante e manhoso, um rebento de dois aninhos destoa do rito silencioso da audiência. Um misto de choro, alegria, espanto e cansaço salta do pequeno que não faz ideia do que está acontecendo, do que aconteceu nem do que vai acontecer.
De longe, ele avista um homem sentado, olhar quase letárgico, braços entrecruzados que tentam esconder as algemas. Nas costas dele, dezenas de condenações e penas que dariam umas duas encarnações, no mínimo.
"Vovô!", ele grita.
"Vovô, vovô, vovô!", ele repete. Sem a reação tão desejada, o menino choraminga. A mãe tenta acalmar. Em vão.
O vidro separa o público do plenário. O avô não responde. O som de fora não ressoa lá dentro. E cada sílaba proferida ali dentro é mais um passo que vai definir o futuro daquele homem.
Genocida, criminoso, traficante.
E avô.
Depois de mais de 10 horas de julgamento, a sentença é lida.
Nas falas do magistrado, fica claro que a Justiça é o retrato da vida. Ela não muda os fatos, ela constata os equívocos. É o homem quem modifica as coisas.
O juiz afirma que esperar algo que não fosse a condenação seria o mesmo que ver um pássaro construir seu ninho no fundo do mar.
E o homem é exemplarmente condenado.
Nessa hora, o menino já estava dormindo.
A vida do avô dele já está traçada. Para o bem de todos.
A vida do menino ainda não tem qualquer traço.
Que seja para o bem dele.
quarta-feira, 13 de março de 2013
quinta-feira, 7 de março de 2013
Chorão e Santa Maria: já não nos bastam os fatos?
A morte de um ídolo, de uma figura pública, ou mesmo de um anônimo, eriça a indústria da comunicação e a obriga a ir além dos fatos que cercam a causa mortis do indivíduo. É preciso sempre mais para o sistema midiático. Faz-se necessário testar e chocar a audiência a cada instante, a cada frame. E as doses que nutrem a busca pelo grotesco possuem essências bizarras que minam o bom senso.
A morte do vocalista Chorão, da banda Charlie Brown Jr, é mais um episódio no qual os limites do que divulgar poderiam ser aplicados ou, ao menos, serem discutidos. No entanto, mais uma vez, foram deixados de lado.
Em portais de notícias e nas redes sociais, fotos do corpo do cantor estendido no chão e imagens do interior do apartamento do músico foram publicadas, republicadas, tratadas e disseminadas. Alguns acontecimentos que rondam a notícia ganharam uma importância circunstancial que são explorados de forma desproporcional, numa tentativa de naturaliza-los.
Não é a primeira vez em que o estupro à intimidade foi cometido.
Na tragédia de Santa Maria, não faltaram posts e sequências de fotos dos corpos carbonizados e amontoados na boate Kiss. As imagens que pontuaram a internet chegaram a ser divulgadas em canais de tevê.
Nas redes, a divulgação acaba sendo inevitável porque não há um sistema simples de comunicação baseado em emissores e receptores. Todos produzem conteúdo. Os filtros do que pode - ou não - ser emitido são suaves e pouco se manifestam. E mais: quando tais filtros surgem, sempre há alternativas que possibilitam a emissão das mensagens. Pedofilia e pornografia são temas proibidos no Youtube, por exemplo. Nem por isso deixam de preencher o universo digital.
Já uma emissora trabalha com critérios editoriais e senso crítico. Procura considerar a ética algo prioritário. Pena que, em alguns casos, o que deveria ser regra não passa de utopia.
Quer outro episódio? Na cobertura da morte do cinegrafista Gelson Domingos, da TV Bandeirantes, no fim de 2011, algumas emissoras chegaram a destacar os momentos finais de agonia do repórter cinematográfico. Não bastou a imagem dele sendo atingido. Um corte na edição no exato momento em que a bala o perfura já deixaria claro seu sofrimento. Porém, foi preciso(?) mostrar o detalhe do corpo estrebuchando até não resistir mais.
Dispensável? Totalmente. Os fatos passaram a ser menos importantes do que o impacto provocado por eles.
Não há argumento jornalístico que justifique a superexposição dos casos de Gelson, Santa Maria e, agora, de Chorão.
Vivemos numa era na qual a informação se propaga em velocidade instantânea, os caminhos por onde a mensagem corre são incontáveis, desconhecidos e incontroláveis. O conteúdo da mensagem pode ser totalmente alterado, individualizado, customizado. E ainda: onde a exposição ganhou ares superdimensionados.
Apareço, logo existo.
Neste cenário, é comum o jornalismo respirar ares muito mais romanescos e macabros do que propriamente informativos.
A cultura midiática atravessa as fronteiras do real e, por diversas vezes, fica debruçada sobre o espetáculo, se alimentando e ruminando o instante do choque, da ruptura. Por alguns instantes, tais episódios vão irromper na vida cotidiana e burocrática dos públicos e oferecer uma ligeira sensação de novidade.
Alguns classificam como sensacionalismo, outros consideram que qualquer limite cheira à censura e a divulgação é válida. Fato é que todos absorvem a mensagem. E quanto mais inspiram, mais anestesiados ficam, até considerarem a perda de uma vida um fato comum.
As redes sociais são mediadoras de diferentes representações, correntes de pensamento e visões do mundo. É uma ferramenta que garante a todos a liberdade para que postem praticamente tudo o que quiserem. Mas no momento em que detalhes da morte de alguém ganham tamanha repercussão e necessidade de divulgação, fica claro que o respeito ao luto, ao sofrimento alheio, já não existe mais.
A morte do vocalista Chorão, da banda Charlie Brown Jr, é mais um episódio no qual os limites do que divulgar poderiam ser aplicados ou, ao menos, serem discutidos. No entanto, mais uma vez, foram deixados de lado.
Em portais de notícias e nas redes sociais, fotos do corpo do cantor estendido no chão e imagens do interior do apartamento do músico foram publicadas, republicadas, tratadas e disseminadas. Alguns acontecimentos que rondam a notícia ganharam uma importância circunstancial que são explorados de forma desproporcional, numa tentativa de naturaliza-los.
Não é a primeira vez em que o estupro à intimidade foi cometido.
Na tragédia de Santa Maria, não faltaram posts e sequências de fotos dos corpos carbonizados e amontoados na boate Kiss. As imagens que pontuaram a internet chegaram a ser divulgadas em canais de tevê.
Nas redes, a divulgação acaba sendo inevitável porque não há um sistema simples de comunicação baseado em emissores e receptores. Todos produzem conteúdo. Os filtros do que pode - ou não - ser emitido são suaves e pouco se manifestam. E mais: quando tais filtros surgem, sempre há alternativas que possibilitam a emissão das mensagens. Pedofilia e pornografia são temas proibidos no Youtube, por exemplo. Nem por isso deixam de preencher o universo digital.
Já uma emissora trabalha com critérios editoriais e senso crítico. Procura considerar a ética algo prioritário. Pena que, em alguns casos, o que deveria ser regra não passa de utopia.
Quer outro episódio? Na cobertura da morte do cinegrafista Gelson Domingos, da TV Bandeirantes, no fim de 2011, algumas emissoras chegaram a destacar os momentos finais de agonia do repórter cinematográfico. Não bastou a imagem dele sendo atingido. Um corte na edição no exato momento em que a bala o perfura já deixaria claro seu sofrimento. Porém, foi preciso(?) mostrar o detalhe do corpo estrebuchando até não resistir mais.
Dispensável? Totalmente. Os fatos passaram a ser menos importantes do que o impacto provocado por eles.
Não há argumento jornalístico que justifique a superexposição dos casos de Gelson, Santa Maria e, agora, de Chorão.
Vivemos numa era na qual a informação se propaga em velocidade instantânea, os caminhos por onde a mensagem corre são incontáveis, desconhecidos e incontroláveis. O conteúdo da mensagem pode ser totalmente alterado, individualizado, customizado. E ainda: onde a exposição ganhou ares superdimensionados.
Apareço, logo existo.
Neste cenário, é comum o jornalismo respirar ares muito mais romanescos e macabros do que propriamente informativos.
A cultura midiática atravessa as fronteiras do real e, por diversas vezes, fica debruçada sobre o espetáculo, se alimentando e ruminando o instante do choque, da ruptura. Por alguns instantes, tais episódios vão irromper na vida cotidiana e burocrática dos públicos e oferecer uma ligeira sensação de novidade.
Alguns classificam como sensacionalismo, outros consideram que qualquer limite cheira à censura e a divulgação é válida. Fato é que todos absorvem a mensagem. E quanto mais inspiram, mais anestesiados ficam, até considerarem a perda de uma vida um fato comum.
As redes sociais são mediadoras de diferentes representações, correntes de pensamento e visões do mundo. É uma ferramenta que garante a todos a liberdade para que postem praticamente tudo o que quiserem. Mas no momento em que detalhes da morte de alguém ganham tamanha repercussão e necessidade de divulgação, fica claro que o respeito ao luto, ao sofrimento alheio, já não existe mais.
segunda-feira, 4 de março de 2013
Difamação turbinada
Tema que passa em branco nas redações – e diz respeito diretamente ao trabalho da imprensa – o crime de difamação no Brasil pode ser penalizado com, no mínimo, dois anos de prisão. Para tal, basta que o projeto de reforma do Código Penal seja aprovado. Hoje, a proposta se encontra no Senado.
Quem assina o texto é o senador José Sarney.
Vamos fazer uma comparação? A Lei de Imprensa, entulho autoritário editado em plena ditadura militar, revogado em 2009 pelo Supremo Tribunal Federal, previa pena de até três anos de prisão para o crime de difamação, um a menos do que a máxima prevista no texto que hoje circula pelos corredores do Congresso.
O agravamento da pena, sugerido no projeto, segue na contramão dos debates realizados por organizações civis que analisam e diagnosticam a Comunicação na América Latina. Fóruns de discussão virtuais, seminários e audiências públicas têm pontuado a necessidade da descriminalização, responsável por episódios de restrição à liberdade de expressão e condenação de jornalistas.
Particularmente, creio que os chamados “delitos contra a honra” deveriam ser totalmente descriminalizados. Discutir a injúria, calúnia e a difamação no campo criminal é a prova de que os governantes temem a imprensa, se sentem incomodados, desconfortáveis. Justamente quando o papel primário – e essencial – da imprensa é formar, informar, incomodar, inconformar, transformar.
Por outro lado – e este é um ponto também ignorado pela mídia – há que se ampliar o debate em torno do direito de resposta. Depois que a Lei de Imprensa foi extinta não dispomos de uma regulamentação que dê conforto aos cidadãos prejudicados por algum veículo. Nem mesmo o resguardo aos meios de comunicação que ficam reféns da decisão de algum magistrado que mensure valores estratosféricos ao deferir alguma indenização. Não há regras nos dois casos. Não há qualquer regra.
Para os tubarões da grande mídia, valores indenizatórios quase sempre têm peso diminuto em seu orçamento e são pouco divulgados (ou você crê que um veículo faça um mea culpa de que foi obrigado a indenizar alguém?). No entanto, para a imprensa regional, das pequenas cidades, uma indenização pode custar a vida daquele jornal ou emissora.
A Lei de Imprensa foi varrida. Sua extinção, no entanto, não ofereceu melhorias nem elevou o padrão ético da mídia. Pelo contrário. A julgar pelo que está sendo discutido no Senado sobre o crime de difamação, ainda há muito entulho a ser removido.
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