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Autoretrato, de Gustave Courbet |
Diante de um enorme quadro de Gustave Courbet, num dos corredores do Museu d’Orsay, sete alunos observavam atentos os ensinamentos da professora.
As crianças não tinham mais que oito anos e respondiam em uníssono o que a educadora perguntava.
Não entendo francês, mas percebi que ela apontava para diferentes pontos do quadro do pintor realista e todos assentiam.
De vez em quando, algum menino se dispersava e fazia uma traquinagem. Um puxava a corda que separa a obra dos visitantes, outro cochichava no ouvido de um coleguinha.
Nada assustador. Com o mesmo tom que ensinava, a professora repreendia os mais peraltas.
Oito anos... Etapa da vida onde o limite parece não existir, o que contrasta com os apelos de pais e professores que rogam por sua onipresença.
Nessa idade, nos tornamos um vocativo teimoso. É o “Para, Zezinho!”, o “Fica quieto, Joãozinho!” e por aí vai. Pela primeira vez, entendemos que quando dizem nosso nome completo (com todas as letras e fonemas metricamente articulados) é porque boa coisa não fizemos segundo os mais velhos, aqueles chatos, bobos e feios.
Mas voltando ao jogral digno de obra de arte, os alunos pareciam ser de uma escola pública (trajes simples) e de origem humilde (havia crianças de diferentes etnias).
Aquelas crianças francesas – privilegiadas desde o nascimento – poderiam passear pelo d’Orsay, Louvre e brincar até dizer chega em algum parque parisiense. Quem sabe na Eurodisney.
Cenário ilustrado, a comparação com nossa educação foi inevitável.
Ao relembrar meus passeios escolares de infância, se enumerar as excursões a museus ou memoriais não dá para encher os dedos da minha mão.
E olha que temos vários locais: CCBB, MHN, MNBA, MAM. Isso sem falar os que não têm sigla.
A programação externa das escolas em que estudei incluía quase sempre um clube, uma fazenda, uma colônia de férias distante. Claro que adorava por ser uma diversão, diferente de uma aula insossa e inútil de Moral e Cívica, por exemplo, que se resumia a um decoreba sobre quais são os direitos e deveres dos cidadãos.
Culpa dos professores? Muito pouco.
Culpa da escola? Talvez.
Culpa, sim, de um modelo educacional arcaico, pouco lúdico e que não estimula a criatividade, o conhecimento amplo, transdisciplinar e humanístico. Nosso sistema é considerado o segundo pior do mundo*
Há adestramento demais de alunos e preparação de menos de educandos, citando termo do mestre Paulo Freire.
Nossos abnegados professores não são capacitados – nem estimulados – a se reciclar através de cursos e outras atividades. Até bem pouco tempo atrás vivíamos sob a ditadura da aprovação automática.
Desestimulados, com baixo salário e péssimas condições de trabalho, o professor não tem tempo para ampliar seu leque de conhecimento e oferecer aulas e atividades mais interessantes. Sua rotina? Dá dezenas de aulas para ter uma renda minimamente digna, mora longe da escola, precisa corrigir trocentas provas.
Em muitas instituições públicas, precisa cumprir uma taxa de aprovação. É uma obrigação velada, constrangedora, mas presente. Periga ser transferido para uma unidade mais distante, como forma de castigo, se não rezar a cartilha do passar de ano a qualquer custo.
Quando professores daqui vão com alunos para algum passeio escolar em um museu, se tornam muito mais domadores de ferinhas do que interlocutores de aprendizagem.
No d’Orsay, a alguns metros dos estudantes que contemplavam Courbet, uma turista tirava foto (com flash) da pintura mais famosa de Van Gogh.
No local, há avisos espalhados proibindo que fotos sejam tiradas, o que dirá com flash.
Alunos mal preparados se tornam cidadãos sem crítica e - principalmente - autocrítica.
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