domingo, 3 de fevereiro de 2013

Marilene e o sonho de cruzar as pernas




Ela fica (sempre) sentada. 

Ocupa dois do velho e surrado sofá de três lugares. 


Suas roupas lembram a de uma evangélica neo-petencostal, daquelas típicas do interior. 


O que me espanta em Marilene – e não teria como ser diferente – é seu tamanho. É enorme. São 190 quilos distribuídos de forma irregular numa mulher que convive com a depressão, não sabe o que é ser feliz.


Suas pernas são grossas como um tronco de árvore, escuras como a casca de um aipim. “Tive erisipela”, justifica. A saia é longa, mas não cobre as feridas na canela, provocadas por não aguentar o próprio peso. 


A blusa – vermelha – ainda a deixa mais gorda. 


O cabelo, preso cuidadosamente, parece oleoso. 


O rabo de cavalo deixa seu rosto mais cheio – e sua aparência ainda mais, mais gorda. 


Quase não há maquiagem para enfeitar seu rosto simples, mas cheio de curvas. A papada é imensa e cobre o pescoço. As únicas coisas que ela tem de pequenas, contrastando com suas formas alongadas, são as orelhas.


Chego para a entrevista depois do horário marcado. Ela permanece intacta, tal como a estátua de um Buda. O olhar triste. O ambiente é abafado. A Penha é sempre abafada. Tanto calor que faz o suor escorrer de sua testa e perocorrer sua longa bochecha. Um paninho? Ela tem. Junto com o Diazepan, o remédio para diabetes, o inibidor de apetite e outras pílulas. “Algumas são de graça, graças a Deus”, suspira. Em todas, todas as suas frases, Deus está no meio. Ou no fim.


Marilene tem quatro filhos. O caçula, de quatro anos, quase lhe tirou a vida no parto. Foi uma operação de altíssimo risco. Duas bolsas de sangue foram necessárias para repor o que tinha perdido. 17 profissionais de saúde foram destacados para a chegada de uma vida. E a luta para evitar a partida de outra. Detalhe: nao tinha ambulância, nem leito para atendê-la. Nem imagino como ela conseguiu dar a luz e sobreviver…


Marilene é mãe solteira. O pai, quando soube que estava grávida, fez como todo homem covarde e a largou. Por causa da obesidade mórbida, ela ficou oito meses sem menstruar e só percebeu a gravidez no quinto mês de gestação. Os filhos são saudáveis. Ela não. As manchas escuras na pele mostram uma pessoa viciada em comida. “A comida é a maconha do gordo”, sentencia. “Como e muito quando estou triste”. Talvez, exagerado, me perguntei quando Marilene esteve alegre…


Marilene espera por uma cirurgia de redução de estômago há 12 anos. Credita nela sendo a salvação de sua vida. Está na fila junto com outras 5 mil pessoas obesas só no estado do Rio.


Admite que tem medo de morrer.


Mas ela não desiste. Com sua fé irretocável, tão grande quanto seu corpo, ela segue seu caminho cercado de preconceitos, falta de estrutura dos hospitais públicos e tolida como cidadã. Não há espaço para os muito gordos na sociedade. Quando o tema é inclusão social, eles estão um patamar abaixo dos deficientes, por exemplo. Pensam que ser gordo, como ela, é sinônimo de relaxamento, preguiça. Marilene hoje vive da aposentadoria como invalidez.


Apesar de todos os problemas, ela esboça um sorriso quando pergunto qual o sonho dela depois que tiver feito a cirurgia


“Poder cruzar as pernas. Não consigo fazer isso. Só quero isso pra mim e já está bom”.


Marilene solicitou a cirurgia num hospital da rede federal em 1999.


O local faz apenas 40 cirurgias de redução de estômago por ano.


Ela quer cruzar as pernas.


Para mim, resta cruzar os dedos.

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