quarta-feira, 8 de maio de 2013

Não podemos depender da sorte

A polícia do Rio - civil e militar - já deu inúmeras amostras de que sabe atuar com inteligência. O traficante Nem foi preso sem que um tiro fosse disparado. A ocupação do Complexo do Alemão levantou a autoestima dos cariocas. A política de implantação das UPPs é respaldada pela sociedade e pela mídia, ainda que esteja longe de cumprir a missão primordial de estabelecer a inclusão e cidadania a quem é vizinho e refém do tráfico.

Mas é a partir dos métodos de operação que ficam evidentes os principais erros cometidos pela polícia. O equívoco mais recente foi a investida aérea dos policiais contra o traficante Matemático na favela da Coréia, em Senador Camará. Uma ação que contou como nunca com o risco e, como quase sempre, com o silêncio preocupante dos moradores e o escamoteamento das autoridades. 


A operação da polícia na Coréia não pode ser considerada eficaz porque não houve vítimas. A tragédia não se deu por pura sorte. Perseguições são vencidas porque sempre há descontrole, imperícia e nervosismo de quem está fugindo. Quem carrega o distintivo está ali, no calor da operação, para proteger a população e, porque não dizer, proteger-se. Só que tiros em varredura, disparados em áreas densamente habitadas, não rimam com estratégia.

Também não serve como argumento em favor da ação policial o fato de que nenhum morador fez denúncias à Corregedoria da Polícia. Dá pra imaginar uma comunidade feliz por ter suas casas perfuradas, seja por quem for? Estamos falando de uma favela em Senador Camará, na Zona Oeste do Rio, área conhecida pela distância dos holofotes vigilantes da imprensa, pelo reduto das milícias. Os moradores não denunciaram pela falta de confiança que possuem no Estado, não porque lhes faltou vontade. 

O discurso contrário aos direitos humanos é contraditório porque defende a ação repressora do Estado como remédio para curar suas próprias falhas. Como se a solução para combater a violência seria aplicando meios mais violentos. 

Não se deve dar ao Estado o direito de decidir quem vive e quem morre. O criminoso adota essa escolha e por isso ele é criminoso. O que é preciso discutir é como qualificar melhor nossa segurança para minorar as escolhas de quem age contra a lei. Sendo assim, a alegação de que 'o pessoal direitos humanos defende o traficante' é torta.

Nas redes sociais, é comum ler a frase 'bandido bom é bandido morto' como justificativa. Curioso, para não dizer preocupante, é que o autor da expressão - o ex-deputado estadual Sivuca - integrou um grupo de delegados conhecidos como '12 Homens de Ouro', responsável por fazer uma 'limpeza social' (palavras dele) nas décadas de 60 e 70, em plena ditadura militar.

Houve quem dissesse (e me incluo nesse caso) que se operação fosse na Zona Sul, certamente a polícia agiria de outra forma. Ainda que seja verdade, o que não pode ser decretado e validado é a democratização do tiro, como se a ação em uma favela se justifica pelo local que é.

Nossa polícia tem graves problemas de estrutura. Na Civil, por exemplo, o déficit de agentes é um abismo: 11 mil policiais para uma população de 16 milhões de habitantes. É um policial para cada 1.455 moradores. Nossos peritos criminais recebem o pior salário do País. A PM do Rio foi apontada recentemente pelo Ministério da Justiça como a mais corrupta.

Muitos apoiam a execução de Matemático mesmo que a população tenha sido colocada em risco. O problema é que, com base no mesmo respaldo, o do atira primeiro e nem sempre pergunta depois, João Roberto, Hélio Ribeiro e Juan tiveram suas vidas interrompidas.

O primeiro tinha três anos e estava dentro de um carro; 

O segundo usava uma furadeira quando foi morto;

O terceiro, de 11 anos, chegou a ter o corpo escondido.

Eles não tiveram a mesma sorte que os moradores da Coréia.

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